terça-feira, 3 de agosto de 2010

Quando o inevitável acontece


"A dor é inevitável. O sofrimento é opcional."
Carlos Drummond de Andrade


Costumamos considerar palavras como sempre e nunca apenas como palavras. Sabemos desde cedo que, como se diz, para sempre é tempo demais, impossível de ser medido ou vivido. Nunca mais é igualmente impossível de conceber, inadmissível, incalculável.
Talvez esse seja um dos motivos que torna a morte tão inconcebível. O motivo mais humano, mais comum a todos é simplesmente esse: o fato de ser impossível de aceitar e entender que nunca mais veremos aquela pessoa, nunca mais iremos conversar com ela, nunca mais poderemos tocá-la ou olhar em seus olhos.
Não importa a crença ou a definição de damos para a morte, sua chegada é sempre indesejada e inesperada. Nunca conseguimos lidar bem com o sentimento de perda, com a sensação de que pela primeira vez a expressão “nunca mais” é concreta e real.
Quando perdemos alguém que amamos, esquecemos momentaneamente tudo o que aprendemos ou estivemos cultivando. Qualquer preparação ou conscientização que tenhamos construído ao longo da vida se desfaz diante da presença do inevitável.
O incomum em tudo isso é que desde o dia em que nascemos a única certeza que temos, a única coisa infalível e real é que todos nós, independente de qualquer coisa, irá morrer. E por que então é justamente esse o único evento com o qual não sabemos lidar?
Os motivos são os mais variados, desde a nossa incompreensão com o que não podemos mudar até o nosso egoísmo humano. Sim! Somos todos muito egoístas, por melhores que sejamos como pessoas, por melhores que sejam nossas intenções e sentimentos estamos sempre impregnados desse egoísmo típico da nossa raça humana. A abnegação, o abri mão de nós pelo outro, não é natural do ser humano.
Quando sofremos pela perda de alguém, por mais que queiramos justificar esse sofrimento com motivos aceitáveis como a saudade e o amor, na verdade estamos sofrendo por nós mesmos. Sofremos pela nossa impotência em impedir a separação, pela inegável verdade de que, diferente do que pensamos, não temos poder algum sobre o tempo e sobre as ações do universo.
A morte, para muitos de nós, é o nosso primeiro enfrentamento com uma força desconhecida a qual não dominamos, que não podemos manipular nem modificar. É o nosso primeiro fracasso irreversível. Percebemos aí que somos frágeis e que, como tudo na natureza, obedecemos, mesmo que a contragosto, o ciclo natural da vida: nascer, crescer, reproduzir-se e morrer.
E embora seja tão natural, tão óbvio e tão compreensível, simplesmente não conseguimos aceitar o andamento do universo.
O egoísmo reside no mesmo ponto do nosso amor. Quando amamos alguém, ou mesmo alguma coisa, queremos que nos pertença, que esteja conosco sempre, nunca longe, nunca além do alcance dos olhos ou das mãos. É difícil para nós aceitarmos que o ser amado não esteja conosco, pois não entendemos o amor sem a aproximação, sem a presença física. Outra vez, sofremos com a morte por nós mesmo, por nossa incapacidade em compreender que embora o ser que amamos não esteja mais presente, o amor permanece em nós.
Outra fonte da nossa incompreensão e do nosso sofrimento com a morte é o desconhecido. Custa-nos aceitar aquilo que não entendemos. Assim é com nossos medos e preconceitos e não é diferente com a morte. Por mais que nossas crenças nos forneçam explicações e uma série de motivos para que estejamos confortáveis com esse acontecimento, não são coisas que nossa razão aceite facilmente.
É difícil para o entendimento humano compreender o que ele nunca viu ou viveu. É a mesma irracionalidade que explica certos medos que muitas vezes nos acompanham pela vida inteira, como o medo do escuro. Não é de fato a escuridão que assusta e sim aquilo que não podemos ver nela! Assim como não é da morte que temos medo e sim daquilo que não sabemos sobre ela, sobre o que virá depois dela: o desconhecido.
Não podemos negociar com a morte. É impossível barganhar com ela... Ainda lutamos para distorcer o tempo com fórmulas miraculosas para combater o envelhecimento, cirurgias e outras tantas técnicas; temos a ilusão de dominarmos as doenças criando drogas poderosas que as aplaquem e curem; reunimos tantas posses quanto possível para lançar raízes nesta vida como se ela de fato nos pertencesse e como se pudéssemos dispor dela como bem entendêssemos. Mas sabemos que nada disso nos torna superiores às forças do universo.
Ainda que consigamos dobrar a natureza aos nossos desejos, é ela quem dita o nosso comportamento, é ela quem nos conduz e que, de fato, nos domina. Quando ignoramos isso vivemos desastres grandiosos ao qual, incapazes de admitirmos nossa insignificância diante do universo, chamamos de tragédias.
Somos capazes de compreender isso? Que não somos nada senão mais uma espécie a ocupar o planeta? Que assim como os animais e as plantas estamos sujeitos a ordem natural das coisas? Que não possuímos nenhum privilégio ou poder que nos permita ir além que qualquer outro ser vivo?
Se qualquer um de nós morresse hoje, agora, o universo continuará seu curso, sem mover-se um único milímetro de sua trajetória. O sol irá nascer e se porá normalmente, como todos os dias. As pessoas ainda irão acordar pela manhã, irão se alimentar, trabalhar, amar e brigar. Nada de fato será diferente. E quantos de nós morrem todos os dias? Basta abrir um jornal ou assistir as noticias... E o que nos faz diferentes deles?
A única diferença, a única que percebemos é quando somos nós ou alguém que é nosso, embora esse conceito de posse não tenha nenhum valor para o universo. Aceitamos e entendemos a morte, o ciclo natural da vida, desde que ele não entre dentro do espaço que delimitamos como nosso.
Mas somos apenas parte do todo. E como tudo o que está vivo estamos destinados a ser parte do ciclo de renovação da vida, onde todas as coisas precisam morrer para dar lugar a nova vida, para dar continuidade ao universo. Tão natural quanto a muda das folhas de uma árvore e a morte dos frutos que lança novas sementes ao solo...
Mas é claro que somos apenas humanos e por mais que saibamos de tudo isso, esse entendimento simplesmente não nos alcança...

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